quinta-feira, 9 de junho de 2011

Metamorfose – O verdadeiro realismo está na deformação

A Metarmofose (O gigolô das palavras. Porto Alegre: L&PM, 1992, p.50-51) do escritor gaúcho Luís Fernando Veríssimo, é uma crônica que, de forma sutil, deixa transparecer a oposição entre o mundo interior e o mundo exterior da personagem, apresentando seus diversos conflitos. Com seu refinado humor, o autor consegue levar o leitor a uma série de reflexões necessárias acerca de temas marcantes do cotidiano.

A Crônica é escrita em terceira pessoa, fazendo com que suas palavras adquiram maior subjetividade, uma característica marcante do autor. Segundo Sá: a crônica – apesar de toda a sua aparente simplicidade – só pode ser valorizada quando a lemos criticamente, descobrindo a sua significação”. Fazendo uma análise crítica do texto A Metarmofose, constatamos em primeira instância o processo de humanização do animal, no caso a barata, com o narrador comparando o corpo e as ações feitas pela barata, com o corpo e as ações feitas pelo homem.

Uma questão relevante no presente texto é a diferença natural que há entre a barata e o humano, a capacidade de raciocinar, como é citado no segundo parágrafo: Pensar para ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. O autor não quer mostrar que para barata é novidade pensar, mas sim, para o ser humano que, muitas vezes, age por instinto e não raciocina. Contudo, quando Veríssimo escreve: Difícil era ser gente. Mostrando-nos o quão difícil para o ser humano é lidar com os sentimentos e o pensamento, o que para as baratas não é preciso, pois elas agem por instinto, percebe-se que há um diálogo proposto. Pensar ou agir por instinto.

A partir da fixação de um nome o autor começa a desenvolver a personalidade e as características da personagem, levando em conta o processo de humanização da mesma. Utilizando o nome Vandirene e enquadrando a personagem na classe popular, nota-se uma crítica violenta, através de alegorias, recurso muito bem utilizado pelo mesmo, ao sistema capitalista.

Ao citar: será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho... Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco Leite. O autor refaz a rotina de uma mulher tipicamente brasileira de classe baixa. Contudo, de uma forma provocante, o autor faz com que Vandirene ascenda socialmente: Finalmente, acertou na esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença... Mas Vandirene mudou... Subiu de classe.

A mudança através da sorte representa uma das únicas possibilidades das pessoas, que se encontram no contexto social no qual a personagem está inserida, subirem de classe. A tentativa de dar uma ascensão a Vandirene, não é dar um final feliz para ela, mas sim ironizar o destino, inevitável, que ela vai ter: A redução de sua existência de uma forma lenta elaborando uma série de pequenas tentativas de sobrevivência e um jogo de estrutura labiríntica desenhado para a sua perda.

A angústia é desconhecida das baratas, pegando esse excerto do texto, no qual ele desenvolve o pensamento da barata em relação à morte, vemos que a barata já não é mais barata, é humano. Porém, vemos também essa “barata” como um ícone, do qual é preciso se livrar. No entanto, com um desfecho incrível, ele refaz o processo: Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. E faz da morte do ser humano o processo de animalização do mesmo, desencadeando o fim de todo um processo, consequentemente o fim da vida da personagem: Depois, desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava em mais nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.

Vê-se misturado o animal com o ser humano, e o ser humano preso ao animal. Fazendo uma intertextualidade brilhante com a obra de Franz Kafka, Veríssimo, mostra, assim como Kafka, que o verdadeiro realismo está na “deformação” (apud Merquior), com isso revela a sociedade como resultado do seu vazio. Fazendo referência ao “estranho”, utilizando o processo de metamorfose com a personagem. Um texto, mais uma vez genial, desse escritor que dispensa comentários.