"Racismo"
Luis Fernando Veríssimo - Comédias da Vida Pública (p.59-60)
- Escuta aqui, ó criolo...
- O que foi?
- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.
- E não existe?
- Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...
- Mas aqui existe racismo.
- Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro, pra abrir buraco, ninguém se habilita. Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados. E ainda se queixam!
- Eu insisto, aqui tem racismo.
- Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a educação que não aparecesse mais em nossa rua? Hein, tição? Quem apanhou de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos preconceito contra branco?
- Não, mas...
- Eu expliquei lá em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com alguma empregadoza de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?
- Eu sei, mas...
- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.
- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não deixaram.
- Bom, mas pêra um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm o clube de vocês? Vão querer entrar no nosso também? Pera um pouquinho.
- Mas isso é racismo.
- Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre pessoas por causa de cor de pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nada na mesma piscina e tudo.
- Sim, mas...
- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar no clube de vocês? Deus me livre.
- Pois é, mas...
- Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.
- Pois então. O...
- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.
- Mas...
- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
- É, mas...
- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe diálogo.
- Sim, mas...
- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.
Essa crônica foi feita em 14/05/75. E se me disserem que não a racismo nisso, vamos entrar em uma discussão bem feia! Bom, Luis Fernando Verissimo merece muito mais postagens aqui, pois é com excelência que ele escreve. Então resolvi postar essa. Espero que gostem.
Talvez, a primeira vista, o texto pareça até um pouco agressivo e assuste com algumas palavras colocadas, entretando, oq Luis (olha a intimidade!)escreve, parece q vem lá do inconsciente, oq ninguém ousaria dizer,
ResponderExcluirmas, no fundo, pensa!
Eu costumo dizer q todo mundo acha o negro lindo p/ o samba, p/ o futebol, mas p/ namorar a filha ninguém quer. Absurdo!!! mas ainda verdadeiro.
Parabéns ao Carlos pela escolha do texto.
Parabéns ao Luis por dizer o indizível.
Zero p/ nós q deixamos isso acontecer.
Ótimo texto para as pessoas refletirem!
ResponderExcluirInfelizmente é exatamente assim que acontece na maioria daz vezes. As pessoas têm mania de criticar e crtiticar e acabam não percebendo que eles próprios estão agindo errado. (Nesse caso, o homem que falou que não havia racismo, mas falava coisas absurdas em relação aos negros!) A sociedade não muda, não adianta.
Daqui a pouco vão dizer que LFV é racista também...
ResponderExcluir2017 e as coisas só parecem estar piorando!
ResponderExcluirUnidade Projetos, veio aqui por causa do vídeo do Pirulla não foi?!
ResponderExcluirPois então eu não tenho mais nada a dizer mesmo...
O texto sozinho fala o que precisamos perceber